A verdade sobre a Virada


Se QI aparecesse como um ponto luminoso e você visse a Terra do espaço, veria um buraco negro bem nas regiões ocupadas pela Virada Cultural.

A pretensão desse nome: Virada Cultural. O que sabem as cavalgaduras da prefeitura sobre cultura? Sou capaz de apostar que há mais eruditos numa rua de classe média que em toda a Secretaria da Cultura.

Problemas da Virada Cultural do último final de semana: a prefeitura de São Paulo não sabe o que é cultura, mas mesmo assim a encomenda para distribuir. As pessoas que são contratadas também não sabem de nada, mas vão lá e tocam uma sanfoninha, um reggaezinho. Daí adolescentes gorduchas de cabelo laranja sentam nas pedras do centro da cidade e ficam lá ouvindo reggae e cochilando encostadas em coqueiros.

Se a prefeitura decidisse distribuir ar para a população, acabaria fornecendo cortiça, mármore, papel celofane, revistas Coquetel, charutos cubanos e próteses de silicone. Qualquer coisa, em suma, menos algo respirável. Há mais cultura acontecendo quando uma criança vê Frozen do que em toda a Virada Cultural.

Não adianta nada a prefeitura ficar atirando quadros de Rubens nas pessoas, do alto das janelas do quinto andar, achando que ao caírem nas cabeças do público paulista os quadros vão produzir cultura. Mesmo que eles tivessem quadros de Rubens à disposição, seria uma má tática.

Cá entre nós, todas as pessoas que vi na última Virada Cultural, artistas e público, pareciam figurantes dos filmes Desejo de Matar. Aqueles mesmos que ficam chutando as sacolas de compras de velhinhas  poucos segundos antes do Charles Bronson entrar em cena.

A única Virada Cultural possível é ficar em casa lendo um livro. Aliás quando vi o mapa do centro da cidade, onde estavam marcados os cinco principais eventos da Virada, aquilo me pareceu familiar. Só  hoje acabei lembrando o que aquilo parecia: o mapa das localizações dos assassinatos das cinco vítimas de Jack o Estripador.

Queria colar aqui uma superimposição dos dois mapas, com um texto dizendo que a cidade queria fazer com a cultura a mesma coisa que Jack  o Estripador havia feito com as prostitutas do East End de Londres. Mas não estou encontrando o Paint no meu Mac novo.



(*) Alexandre Soares Silva nasceu em São Paulo em 1968. Publicou dois livros de aventuras para adolescentes (“Na Torre do Tombo” e “A Origem dos Irmãos Coyote”) e três romances para adultos (“A Alma da Festa”, “Morte e Vida Celestina”, e “A Coisa Não-Deus”). É talvez o responsável pela onda de conservadores anglófilos com pretensões a dândi na internet brasileira, embora não saiba dar sozinho um nó decente de gravata. Escreveu vários episódios da série de televisão “O Negócio” (HBO).

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